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Hipersexualidade |
Eu Não Era Uma Aberração: Era a Hipersexualidade do Transtorno Bipolar
Por muito tempo, a palavra que me definia era vergonha.
Eu nem sabia explicar exatamente o porquê. Só sentia. Sentia um peso que parecia maior do que eu. Um desejo sexual que ultrapassava o que eu entendia como “normal”.
E o pior: eu achava que era culpa minha.
No fundo, eu me sentia um desvio. Um erro.
Não falava disso com ninguém. Nem com os amigos mais próximos, nem com terapeuta, nem mesmo com a pessoa com quem eu dividia a vida.
O que eu vivia, na verdade, tinha nome. Mas só descobri muito tempo depois: hipersexualidade.
E ela estava diretamente ligada a algo ainda mais profundo — meu transtorno bipolar.
Quando o Desejo Fala Mais Alto Que a Razão
Eu sempre fui intenso. Desde cedo.
Mas a intensidade afetiva e sexual ia além. Era algo que me engolia.
Durante os episódios de mania — que na época eu nem sabia que tinham esse nome — meu comportamento mudava. Começava com uma excitação diferente, uma energia elétrica no corpo, uma sensação de que nada podia me parar. E junto com isso, vinha uma vontade desesperada de sexo.
Não importava onde eu estivesse. Se estava num relacionamento ou não. Se era conveniente, seguro ou moral.
Eu ia lá e fazia.
E depois... me odiava.
Só depois do diagnóstico, e de muita pesquisa por conta própria, é que entendi: aquilo não era “promiscuidade”.
Era um sintoma. E não era só comigo.
Relacionamentos Que Eu Mesmo Sabotei
Meu primeiro casamento foi devastado por isso.
E não foi por falta de amor.
Aliás, esse era o problema: eu amava. E mesmo assim, traía. E mentia. E me perdia em fantasias, em conversas paralelas, em encontros sem sentido.
Depois de cada ato, eu prometia que seria a última vez.
Nunca era.
Eu cheguei a acreditar que eu era incapaz de amar de verdade. Que havia algo errado demais comigo.
No segundo casamento, as coisas foram um pouco diferentes.
Eu já tinha mais consciência. Já sabia do transtorno. Já fazia terapia.
Mas o estrago anterior ainda ecoava.
A desconfiança, os fantasmas, os limites borrados.
Demorei muito para entender que eu precisava mais do que remédio — precisava de um novo jeito de me relacionar comigo mesmo.
O Que Quase Ninguém Diz em Voz Alta
A hipersexualidade no transtorno bipolar é pouco discutida.
Mesmo no consultório médico, muitas vezes passa batida.
Psiquiatras anotam insônia, agitação, gastos impulsivos… mas quase nunca perguntam:
“Sua libido aumentou? Você sente que perdeu o controle da sua sexualidade?”
A maioria de nós, que vive isso, só vai entender o que está acontecendo muito depois.
Muitas vezes, o que nos salva é o depoimento de outra pessoa com bipolar. Um post, um vídeo, um comentário em fórum.
Não é justo que a gente descubra a gravidade de algo tão íntimo por acaso.
Segundo a Dra. Kay Redfield Jamison, uma das maiores especialistas no assunto (e ela mesma diagnosticada com bipolar), mais da metade das pessoas em episódios maníacos apresenta sinais de hipersexualidade.
Isso precisa ser falado. Precisa ser acolhido. E tratado.
Sexo Como Fuga: O Cérebro em Colapso
O que acontece no cérebro durante a mania é uma tempestade.
A amígdala — aquela região do cérebro ligada às emoções e ao medo — fica hiperativa.
A dopamina, neurotransmissor do prazer, entra em festa.
É como se o “freio” interno deixasse de funcionar.
O Dr. Louis Cozolino, especialista em neurociência, explica que o sexo, nesses momentos, vira um calmante bioquímico.
É como uma droga. A sensação de alívio é real. Mas é passageira.
E depois vem o colapso.
Muitas vezes, a gente nem quer transar. A gente quer desligar a dor.
E o sexo é o botão mais fácil, mais rápido — e, infelizmente, o mais destrutivo quando feito sem consciência.
Terapia: O Lugar Onde Pude Me Reescrever
Foi só quando comecei a terapia de verdade — aquela que vai fundo, que confronta e acolhe ao mesmo tempo — que comecei a mudar.
Não foi do dia pra noite.
Aliás, teve muita resistência no começo.
Eu achava que jamais poderia falar disso sem ser julgado. Que a terapeuta ia olhar pra mim e pensar: “Esse cara é um pervertido”.
Mas ela não fez isso.
Ela me ouviu.
E pela primeira vez, eu me ouvi também.
A terapia me ajudou a olhar pro passado com menos dureza.
Me mostrou que eu podia ter controle, sim. Mas que, pra isso, eu precisava primeiro me entender, não me punir.
Medicamentos Ajudam, Mas Não Sozinhos
Uso estabilizadores de humor. E o lítio, especialmente, fez diferença.
Ele não “tira” a libido. Mas tira a urgência.
Ajuda a equilibrar os extremos.
Com ele, os picos maníacos ficaram menos intensos — e, com isso, os comportamentos compulsivos também.
É importante dizer: nem todo medicamento serve pra todo mundo.
Alguns antidepressivos, por exemplo, podem até piorar a hipersexualidade em quem tem bipolar.
Por isso, tudo precisa ser ajustado com acompanhamento médico.
Mas mesmo o melhor remédio do mundo não faz o que a terapia faz: me devolver para mim mesmo.
O Que Mudou em Mim
Hoje, vivo com mais consciência.
Não sou um “curado”.
Mas sou um homem que se conhece melhor.
Ainda sou sexualmente ativo. Ainda gosto de flertar, de sentir desejo.
Mas agora eu sei reconhecer quando o impulso é saudável — e quando é um sintoma querendo voltar.
Aprendi a pôr limites.
A dizer “não”.
A ter conversas difíceis com quem está comigo.
E, principalmente, a não me esconder.
Porque quando a gente se esconde, a doença cresce na sombra.
Por Que Eu Estou Contando Isso
Porque talvez você esteja vivendo o que eu vivi.
Achando que é um desvio. Que está sozinho. Que precisa se esconder.
E não está.
Você é humano. Com falhas, com camadas, com histórias.
E com chance de recomeçar — mesmo que seja depois de muito tempo.
Hipersexualidade não é safadeza. Não é luxúria. Não é pecado.
É sintoma. É dor.
E tem jeito.
Hoje, eu escolhi contar minha história não como confissão.
Mas como libertação.
Porque se alguém tivesse dito isso pra mim lá atrás… talvez eu não tivesse sofrido tanto.