Transtorno Bipolar e a Velhice

TBH em idosos

Transtorno Bipolar do Humor e a Velhice: O Que Muda, O Que Permanece

Tenho 60 anos e convivo com o Transtorno Bipolar do Humor (TBH) há pelo menos 23. Quando penso nessa caminhada, a palavra que me vem é: intensa. Desde menino eu já percebia que tinha algo em mim que não andava no mesmo compasso dos outros. Sentia isso no recreio, nas festas, nas conversas. Tinha dificuldade pra me entrosar — era como se eu fosse um rádio fora de sintonia. Isso é TBH? Talvez sim. Mas confesso que, até hoje, nem os médicos sabem tudo. Recentemente, um psiquiatra me falou que tenho muitos sintomas de TDAH. E olha que interessante: estudos dizem que até 60% das pessoas com TBH também convivem com o TDAH. Faz sentido — muita coisa da minha vida se explica melhor assim.

Mas vamos deixar o TDAH pra outro dia. Hoje quero contar como é viver — e envelhecer — com bipolaridade.

Antes do diagnóstico: viver era sobreviver


Na juventude, tudo era exagerado. E eu era exagero em pessoa. Bebida? Eu era o último a parar. Drogas? O primeiro a topar tudo. Eu não sabia dizer não. Não sabia parar. Queria me sentir parte de algo, e achava que pra isso precisava ser o mais ousado, o mais engraçado, o mais doido. A dor da exclusão era silenciosa, mas constante.

Minha memória sempre foi um trunfo. Sabia nomes, datas, fórmulas. Por isso me chamavam de "biblioteca ambulante". Só que esse destaque vinha junto com apelidos cruéis. Usava óculos desde criança, e ganhei títulos como morcego, Professor Pardal, Mr. Magoo... alguns riam, outros zombavam. E eu? Engolia seco. Como se aquilo não me machucasse. Mas machucava.

Diagnóstico, tratamento e outras verdades

Quando fui diagnosticado, já tinha passado por muita coisa. Foi como se alguém acendesse uma luz em um cômodo escuro. Mas essa luz também mostrou a bagunça que eu tinha pra arrumar. Viver com TBH exige esforço diário. É entender que a mente não tem botão de pausa. É aceitar que a estabilidade emocional, pra gente, não vem de graça.

Tive que aprender a tomar remédios na hora certa, a dormir mesmo sem sono, a não seguir todos os impulsos. Tive que olhar pra mim e ver onde o transtorno começava e onde eu terminava. E até hoje, não sei se consegui separar bem as duas coisas.

A velhice traz silêncio, perdas e peso


Chegar aos 60 anos com TBH é um desafio à parte. A gente perde amigos, perde saúde, às vezes perde o fio da conversa. E quando alguém próximo morre — o que infelizmente acontece mais — o impacto é devastador. Não é só tristeza. É como se a alma pesasse o dobro. Já fiquei meses em luto. Meses em que o dia clareava lá fora, mas dentro de mim era só sombra.

Durante a pandemia, então, foi cruel. Perdi pessoas queridas. A sensação era de que o mundo tinha ficado pequeno demais. As paredes do quarto, grandes demais. E minha cabeça, um vendaval. Tive pensamentos que hoje me assombram. Mas estou aqui. E isso já é vitória.


Envelhecer com TBH: o que a ciência nos conta

Relembrando o básico

O TBH é um transtorno marcado por altos e baixos intensos de humor. Euforia, energia excessiva, noites sem sono, seguidas de semanas de desânimo profundo. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, o TBH atinge cerca de 2% da população. Mas é provável que muita gente viva com isso sem nem saber.

Fonte: ABP – Transtorno Bipolar

O que muda com a idade?

De acordo com o NIMH dos EUA, nos idosos o TBH pode se apresentar de forma diferente. Os picos de mania tendem a ser mais amenos ou confusos. As depressões, mais longas. O risco de isolamento é maior. E a sensibilidade a medicamentos aumenta.

Fonte: NIMH – Bipolar Disorder in Older Adults

Diagnosticar não é simples

Muitas vezes, o idoso é confundido com alguém com demência ou apenas deprimido por fatores da vida. Um estudo da revista World Psychiatry mostrou que só 1 em cada 5 idosos com TBH é diagnosticado corretamente nas fases iniciais.

Fonte: World Psychiatry


Medicamentos: corpo velho, reações novas

Com a idade, o corpo muda. E os remédios precisam ser ajustados com mais cuidado:

  • O lítio exige acompanhamento constante da função renal.
  • Antipsicóticos como quetiapina devem ser usados com cautela.
  • Antidepressivos podem ajudar, mas também podem provocar episódios maníacos se mal indicados.

Idosos geralmente tomam muitos medicamentos, o que eleva o risco de interações perigosas. Todo tratamento deve ser supervisionado com atenção.


O invisível que pesa: luto, solidão e preconceito

Saudade  e Luto

O luto se acumula. Os amigos de infância partem. Os filhos seguem suas vidas. E o idoso bipolar, muitas vezes, fica com seu silêncio. E tem também o preconceito: o estigma da saúde mental e o peso do etarismo. Isso machuca. E muito.

Cuidar da mente, mesmo depois dos 60

Se cuidar Trás Esperança

O que tem me ajudado:
  • Manter consultas frequentes com meu psiquiatra
  • Levar a sério a rotina de sono e alimentação
  • Falar com quem entende ou escuta
  • Me permitir descansar sem culpa
  • Caminhar, ouvir música, desacelerar
  • Me lembrar de que eu não sou só o transtorno

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Considerações finais: a vida segue, mesmo aos trancos

Viver com TBH aos 60 anos é carregar uma bagagem cheia de histórias, recaídas, superações e aprendizados. É entender que nem sempre vai dar pra sorrir, mas também não dá pra se entregar.

A gente aprende a respeitar os próprios limites, a valorizar quem ficou, a rir de novo — ainda que devagar. Sim, tem dias ruins. Mas tem dias bons também. E só quem já esteve no fundo do poço sabe o valor de um dia comum.

Se você também vive com TBH e está envelhecendo, te digo com sinceridade: não está só. E mesmo quando parecer que tudo se repete, cada fase traz novas chances. E envelhecer, pra gente, é também aprender a viver com mais compaixão por nós mesmos.

E quer saber? Essa compaixão talvez seja o melhor remédio de todos.

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