Como é a dor da depressão
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O peso invisível: a solidão de quem vive uma crise depressiva |
Muita gente me pergunta como é a depressão. A pergunta parece vaga, como se estivessem perguntando sobre o clima em outro país:
“– Como é o inverno na Argentina? Parece bem frio!”
É assim que soa na minha cabeça. A pergunta não envolve sentimento, soa como uma curiosidade sobre algo externo, um objeto.
Do meu ponto de vista, como Bipolar tipo 2, a pergunta mais justa seria:
“– Como você se sente durante uma crise depressiva?”
Essa sim carrega humanidade.
Vivemos em um mundo que não sabe sentir
A pressa, a rotina e o medo de sentir tornaram o sofrimento algo que deve ser resumido em uma palavra qualquer. Para muitos, a resposta ideal seria: “Azul”, “Quadrado” ou “Longe”. Isso bastaria, mesmo que não fosse verdade.
É por isso que a empatia é tão rara. Porque para ter empatia de verdade, é preciso imaginar a dor do outro — e isso exige coragem.
Por que resolvi escrever sobre isso?
Escrevo este texto porque a dor da depressão não é azul, nem quadrada, nem distante. Para quem vive esse horror, ela é crua, cortante, paralisante.
HORROR, sim — em caixa alta.
Não é exagero. Muitos preferem tirar a própria vida para escapar da dor.
E não é falta de fé, de força ou de caráter. É desespero.
Entre no meu lugar: a casa dos horrores
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A casa dos horrores: quando a mente se transforma em cárcere |
Quer saber como é de verdade?
Então esqueça tudo o que você pensa que sabe sobre tristeza.
Imagine entrar numa casa de horrores. Lá dentro, você se vê sendo torturado: sem olhos, com as vísceras expostas, a língua arrancada com um alicate. E o pior? Você não pode desmaiar. Algo dentro de você te obriga a assistir, a sentir tudo, amplificado.
Você está ali, parado, vendo a si mesmo ser devorado por vermes. E tudo que quer é acabar com isso. Porque esse império da dor não tem fim.
Tudo começa como um simples desânimo
Mas não se engane.
A depressão não começa com monstros. Ela começa com frases pequenas, como:
“– Vou lavar essa louça amanhã...”
E amanhã vira 15 dias. A louça se acumula, o lixo se espalha, a casa apodrece. Você também.
Quando até escovar os dentes vira um desafio cruel
Faz uma semana que você não toma banho. Outra que não sai de casa.
Escovar os dentes parece escalar uma montanha.
A culpa vem com tudo — e se lembrar que está há dias sem fazer nada só te afunda mais.
Quem acha que não pensamos em sair disso, não faz ideia do quanto nos cobramos.
Mas essa cobrança é um chicote que só nos machuca mais.
É aí que a porta da casa dos horrores se escancara
Eu já levei seis meses para sair dessa casa.
Muitos... não saem.
Escolhem acabar com tudo.
E não, não nos sentimos vitoriosos quando conseguimos sair. Porque sabemos que, mais cedo ou mais tarde, voltamos pra lá. E quando voltamos, é com medo.
Porque a melhora nunca é rápida. Vem em conta-gotas. Uma gota hoje, outra só na semana que vem.
Sem medicação, sem chance
No meu caso, e no de muitos, só a medicação salva.
E mesmo assim, não é fácil. Esquecer de tomar remédio é comum — e quem me ajuda é meu filho.
É ele quem me lembra que estou aqui, que existo, que posso sair do escuro mais uma vez.
Entre dois mundos
Essa é a vida de quem tem Transtorno Bipolar do Humor e enfrenta a depressão.
Quando consigo sair do buraco, eu renasço.
Volto a produzir, trabalhar, ensinar, amar, ser pai, amigo, namorado... até engraçado.
Mas sei que tudo isso só dura até a próxima crise.
Até o teatro dos vampiros recomeçar.
Conhece a música?
Ela fala de mim. Renato Russo também era bipolar. Ele sabia do que eu estou falando.
Abraços.
Conclusão: a dor da depressão precisa ser sentida, não explicada
Este texto não é para quem quer respostas fáceis.
É para quem quer tentar sentir, mesmo que por alguns minutos, o que é viver com uma mente que tortura o próprio corpo.
Se você leu até aqui e sentiu algo — raiva, angústia, vontade de chorar ou abraçar alguém — então talvez tenha tocado em algo real.
FAQ – Perguntas Frequentes
1. Depressão é só tristeza profunda?
Não. É uma condição clínica que afeta o corpo, o pensamento e o comportamento. Vai muito além da tristeza.
2. Todo bipolar sofre com depressão?
Depende do tipo. No Transtorno Bipolar tipo 2, como o meu, as crises depressivas são mais frequentes que as eufóricas.
3. A depressão tem cura?
Ainda não há cura definitiva, mas há tratamento eficaz com acompanhamento psiquiátrico, psicológico e, em muitos casos, medicação.
4. O que fazer quando alguém está em crise?
Não minimize, não diga para “reagir” ou “pensar positivo”. Esteja presente, ouça, incentive a buscar ajuda profissional.
5. Quem toma remédio para depressão é fraco?
Pelo contrário. Reconhecer que precisa de ajuda e buscar tratamento é um ato de coragem.