depressão na bipolaridade


Apontada pela Organização Mundial da Saúde como a moléstia que mais incapacita seres humanos no planeta, a depressão já enlaçou mais de 300 milhões de almas mundo afora. Embora a variante unipolar seja a mais frequente nas estatísticas clínicas, a sombra da tristeza também pode coabitar com os picos de exaltação do transtorno bipolar, configurando o quadro conhecido como depressão bipolar. De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), aproximadamente 4 milhões de brasileiros são assolados por esse espectro de sofrimento.

O mesmo levantamento revela uma cifra sombria: cerca de 15% dos pacientes acometidos por essa condição tiram a própria vida. A gravidade do cenário exige reflexão ampla e urgente.

Mas o que distingue a depressão bipolar da unipolar? Estamos lidando com um desdobramento mais denso, mais intrincado? E, sobretudo, como se maneja essa condição tão particular? A revista SAÚDE buscou essas respostas com Antônio Geraldo da Silva — diretor tesoureiro e superintendente técnico da ABP, além de presidente eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL). Eis suas considerações:


Depressão bipolar: quando a dor vem em marés eufóricas

A depressão bipolar refere-se aos episódios depressivos que surgem em meio ao ciclo do transtorno bipolar do humor. Para entendê-la, é imprescindível compreender que o transtorno bipolar intercala fases de mania — caracterizadas por uma excitação emocional desmedida — com períodos de abatimento profundo.

Durante os episódios maníacos, o indivíduo pode experimentar uma aceleração vertiginosa do pensamento, inquietude motora, um ímpeto de energia transbordante, euforia descontrolada, irritabilidade explosiva, instabilidades emocionais abruptas e perturbações do sono.

Já os episódios depressivos, que podem ser únicos ou se repetir ao longo do tempo, variam em intensidade — de branda a avassaladora — e se prolongam por períodos que oscilam entre algumas semanas e vários anos.

No fundo, os sintomas da depressão — sejam eles provenientes do tipo unipolar ou do bipolar — compartilham traços em comum: tristeza visceral que se arrasta por dias, sensação de vazio existencial, irritabilidade persistente, distúrbios no apetite e no sono (tanto em excesso quanto em escassez). No entanto, certas nuances são mais pronunciadas na depressão bipolar: hipersonia, aumento ponderal, delírios e uma volatilidade emocional marcada.


Entre heranças e gatilhos: onde tudo começa

O emaranhado de causas da depressão bipolar é multifacetado. Contudo, a principal matriz parece ser a interação entre genética e ambiente. Em outras palavras, o distúrbio pode brotar da semente herdada (genótipo), fertilizada por experiências e contextos ao longo da trajetória de vida (fenótipo).

Estabelecer um diagnóstico assertivo não é tarefa trivial. Exige um psiquiatra experiente, capaz de decifrar os enigmas do histórico familiar, os relatos subjetivos do paciente, o seu modo de vida e outras variáveis que compõem o mosaico clínico.


Tratamento: o mapa para o equilíbrio

A jornada terapêutica no enfrentamento do transtorno bipolar — e, por extensão, da depressão bipolar — baseia-se fundamentalmente na psicofarmacologia aliada à psicoterapia. O protagonista do tratamento costuma ser o estabilizador de humor, uma vez que há o risco de alternância súbita entre a euforia e a letargia. Em paralelo, determinadas pesquisas apontam a eficácia do uso criterioso de antidepressivos e antipsicóticos.

Importa ressaltar que, ao elaborar a estratégia medicamentosa, é crucial considerar os episódios maníacos — mesmo que latentes — a fim de evitar que o tratamento de um polo desencadeie o outro.

Nos casos em que as medicações convencionais falham em provocar remissão dos sintomas, a eletroconvulsoterapia (ECT) emerge como um recurso robusto, especialmente em quadros extremos de mania ou depressão profunda. Este método, cercado de estigmas históricos, na realidade é seguro quando aplicado em ambiente hospitalar, com acompanhamento integral de uma equipe multidisciplinar — psiquiatra, anestesiologista e enfermagem.

O procedimento consiste na administração controlada de correntes elétricas de intensidade mínima, capaz de reconfigurar circuitos neurais e, não raramente, salvar vidas — sobretudo quando o indivíduo se encontra em risco iminente de suicídio recorrente. A ECT é um último bastião, um farol aceso na escuridão para aqueles que já não encontram respostas em nenhum outro tratamento — e, ao contrário do que muitos imaginam, não envolve qualquer tipo de violência ao paciente.


A depressão na bipolaridade, embora envolta em complexidade, não é uma sentença. Mas exige escuta especializada, tratamento meticuloso e — acima de tudo — humanidade.

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