Como Enfrentei Meus Demônios, Superei o Silêncio e Aprendi a Me Respeitar
Introdução: Quando o Rótulo Vem Antes da Pessoa
Não sei você, mas eu já cansei de ouvir frases como "ele é muito bipolar", "tá surtando de novo" ou "isso aí é só drama". Parece que, quando se trata de transtornos mentais — principalmente do transtorno bipolar — o julgamento sempre chega antes da empatia.
Neste artigo, quero falar de algo muito mais profundo do que diagnóstico ou sintoma. Quero falar do estigma. Esse peso invisível, mas brutal, que acompanha quem vive com transtornos mentais. E não só isso: quero mostrar, com base na minha vivência e no que aprendi em contato com psicólogos, terapeutas e pessoas incríveis que lutam diariamente contra o preconceito, como é possível resistir.
O que é o estigma e por que ele machuca tanto?
Estigma não é só um nome feio. Ele é como uma segunda pele, daquelas que a gente não escolheu vestir. Ele vem embutido nas piadinhas, nos olhares atravessados, nas portas fechadas de emprego, nos convites que não chegam mais, na família que se distancia e — o mais cruel — na vergonha que, aos poucos, a gente aprende a sentir de si mesmo.
A ciência classifica o estigma em quatro grandes frentes:
- Estigma público: aquele que aparece nos comentários das pessoas, nos memes, nas novelas.
- Estigma estrutural: quando o preconceito vira política pública ou negligência institucional.
- Estigma familiar: quando a vergonha vem de dentro de casa.
- Autoestigma: o mais doloroso, quando acreditamos nas mentiras que nos contam sobre quem somos.
Meu encontro com o estigma: ele chegou antes da ajuda
Eu estava no fundo do poço quando procurei o NEPAD, da UERJ. Sem dinheiro pra passagem, pulava a roleta do ônibus, e às vezes a própria psiquiatra que me atendia me ajudava com a grana pra voltar pra casa. Era o auge da minha adicção ativa e o fundo do poço emocional.
Dormia nas ruas, comia restos em lixeiras de fast food, e via meu filho só pela lembrança. O mundo me tratava como alguém fraco. Mas eu sabia: não era só sobre força de vontade. Era sobre dor, trauma e, principalmente, sobre saúde mental negligenciada.
Transtorno Bipolar não é drama, é diagnóstico
O transtorno bipolar é um quadro clínico sério, que exige acompanhamento, tratamento e, acima de tudo, compreensão. Envolve oscilações de humor que vão muito além de "estar feliz ou triste". Tem episódios de mania ou hipomania, onde tudo parece acelerado, e episódios de depressão profunda, onde levantar da cama parece missão impossível.
Além dos sintomas, o estigma vira um segundo inimigo. Um que sussurra no ouvido: "Você não é confiável. Você não serve pra isso. Você é um problema."
Estratégias práticas para enfrentar o estigma no dia a dia
A Terapia Comportamental Dialética (DBT) ensina habilidades práticas para responder ao estigma. Aqui estão algumas:
1. Quando o foco é manter o relacionamento – USE A HABILIDADE GIVE:
- Gentileza: nada de ataques.
- Interesse: ouça antes de reagir.
- Validação: reconheça que o outro pode não saber o impacto.
- Espírito leve: converse sem agressividade.
Exemplo: “Esse termo ‘bipolar’ é usado com tanta frequência, né? Mas ele pode machucar quem realmente vive com esse diagnóstico. Que tal evitarmos isso?”
2. Quando o objetivo é mudar o comportamento do outro – USE DEAR MAN:
- Descreva o que ouviu
- Expresse seus sentimentos
- Afirme o que você espera
- Reforce positivamente
- Mantenha o foco
- Aja com confiança
- Negocie se necessário
Exemplo: “Quando você disse que fulano era ‘bipolar’, fiquei triste. Podemos escolher outras palavras?”
3. Quando tudo que você quer é se respeitar:
- Honestidade: com você e o outro
- Apologia não: não peça desculpas por se defender
- Sustente seus valores
- Sinceridade: seja verdadeiro
Exemplo: “Essa expressão é estigmatizante. Não a use mais.”
Falar ou não sobre o diagnóstico? Eis a questão.
Revelar que você vive com transtorno bipolar é um ato de coragem. Mas nem sempre é o melhor momento — e está tudo bem se você decidir esperar.
Antes de se abrir, pense:
- O que vou compartilhar?
- Para quem?
- Essa pessoa é confiável?
- O que eu ganho e o que eu arrisco com isso?
A importância do apoio certo (e do tratamento certo)
Se você já foi maltratado por profissionais da saúde, eu sinto muito. Isso não deveria acontecer. Mas, infelizmente, o estigma está até onde buscamos ajuda.
Não desista do tratamento. Busque profissionais com empatia e experiência com transtorno bipolar. Psicoterapias como a DBT e a ACT podem transformar sua jornada.
Cuidando das feridas invisíveis: o impacto emocional do estigma
O estigma nos adoece. Mas existe uma saída mais amorosa. E ela começa quando reconhecemos o que sentimos e agimos com base nos nossos valores pessoais.
- Está triste? Cuide-se. Descanse.
- Está com raiva? Transforme em ação.
- Está exausto? Desligue-se um pouco.
Conclusão: Você não está sozinho
O estigma é real. Ele invade, limita e machuca. Mas ele não é a sua verdade.
Você é mais do que um diagnóstico. Se você leu até aqui, é porque algo dentro de você ainda acredita que a vida pode ser diferente. E ela pode.
No meu caso, tudo mudou em 18 de novembro de 1996, quando entrei num grupo de Narcóticos Anônimos e pedi ajuda. Foi o primeiro passo rumo a uma nova vida. Não foi fácil. Mas foi possível.
Recursos de Apoio Que Podem Salvar Vidas
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Ninguém precisa enfrentar isso sozinho.