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Demora no SUS |
Por que ainda é tão difícil conseguir atendimento psicológico no SUS?
I. Quando a dor não tem pressa, mas a gente não aguenta mais esperar
Você já tentou pedir ajuda e foi ignorado?
Não por maldade. Mas por falta de tempo. De estrutura. De gente.
Ouviu um “volta semana que vem”, e não conseguiu voltar?
Pois é. Esse é o retrato de milhares de pessoas que tentam, todos os dias, conseguir um atendimento psicológico pelo SUS.
Elas vão até o posto de saúde com o coração na mão.
Na fila, a ansiedade aperta o peito. O pensamento já está acelerado, o medo de surtar outra vez vem junto.
Mas quando chega a vez, escutam:
"Você precisa passar primeiro com o clínico."
"O psicólogo não está hoje."
"O agendamento está fechado."
E a pessoa volta pra casa sem ninguém pra escutar o que dói por dentro.
II. O Brasil que adoece calado
1. Um país que é campeão… em sofrimento
É duro escrever isso, mas o Brasil é líder mundial em transtornos de ansiedade, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Também estamos entre os países com mais casos de depressão na América Latina.
Não é só estatística. É o que a gente vê na rua.
Gente que não dorme, não come, não trabalha, não vive.
Adolescentes com crises de pânico. Adultos no limite. Idosos que choram sozinhos.
E todos ouvindo a mesma coisa: "falta vaga", "procura depois", "não é prioridade".
2. O que acontece quando você procura ajuda
O ideal seria assim:
Você sente que algo está errado, vai até o posto de saúde, é acolhido com respeito, escutado com calma, e sai de lá com um plano de cuidado.
Mas o que acontece, na prática?
Você chega e o psicólogo não atende naquele dia. Ou só atende pacientes com encaminhamento do psiquiatra.
Ou o agendamento é feito por outro setor, que só funciona às terças de manhã.
E quando você consegue a primeira consulta, o retorno é marcado para dali a dois meses.
Quem tá mal aguenta isso?
3. CAPS: centros que acolhem... quando conseguem
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) foram criados para acolher quem mais sofre.
Gente em crise, pessoas com transtornos graves, usuários de álcool e outras drogas.
A ideia é maravilhosa. Mas a realidade, muitas vezes, é outra.
Muitos CAPS estão sobrecarregados, com equipes reduzidas, sem estrutura mínima.
Faltam psicólogos, falta psiquiatra, falta até cadeira.
Em alguns lugares, a fila é tão grande que o paciente é atendido só uma vez por mês.
Em outros, a pessoa desiste antes mesmo de ser chamada.
E aí sobra pra quem?
Pro sofrimento, pro remédio, pra automedicação, pro silêncio.
E às vezes... sobra pra morte.
III. Por que é tão difícil ter acesso?
4. A dor emocional ainda é tratada como frescura
Ainda tem muita gente — inclusive profissionais da saúde — que acha que ansiedade é “falta de ocupação”, que depressão é “fraqueza”, que quem tenta se matar está só “querendo chamar atenção”.
Esse preconceito mata.
Ele faz com que a saúde mental não seja levada a sério.
Faz com que gestores não priorizem contratação de psicólogos.
Faz com que os próprios pacientes sintam vergonha de pedir ajuda.
5. A fila que não para de crescer
Você sabia que em mais da metade dos municípios brasileiros não há psicólogo em tempo integral na rede pública?
Esse dado vem da
Fiocruz e mostra o tamanho do descaso.
Aí, a conta não fecha:
A demanda aumenta;
O sofrimento se agrava;
Mas o número de profissionais não acompanha.
E quem precisa... espera.
Ou paga.
Ou desiste.
6. A mídia prefere falar de celebridade do que de CAPS
Quando foi a última vez que você viu no jornal uma reportagem sobre saúde mental no SUS?
Enquanto isso, o feed tá cheio de influenciador fazendo reels com frases prontas sobre autocuidado.
Mas ninguém mostra o caos da saúde pública.
Ninguém mostra o peso real da espera.
IV. O que tem ajudado — mesmo que não resolva tudo
Muita gente tem recorrido à internet.
Apps de terapia por mensagem. Robôs com inteligência artificial. Vídeos de apoio emocional. Comunidades virtuais.
Não é o ideal. Mas é o que tem.
E, sinceramente? Às vezes, é melhor conversar com um chatbot empático do que continuar gritando por dentro sem ser ouvido.
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V. O que poderia mudar — se alguém realmente se importasse
1. Psicólogo em todo posto
Não é luxo. É urgência.
Toda UBS devia ter pelo menos um psicólogo em tempo integral.
2. CAPS com estrutura digna
Os CAPS precisam de:
- Equipes completas;
- Atendimento diário;
- Supervisão;
- Espaços de convivência;
3. Escuta de emergência por telefone ou internet
Enquanto a estrutura física não dá conta, o governo poderia criar canais gratuitos de escuta emocional, 24 horas por dia.
VI. Conclusão: o silêncio do Estado, o grito de quem sofre
O SUS é uma conquista histórica. E quando funciona, salva vidas todos os dias.
Mas em saúde mental, ele está falhando feio.
Vivemos num país onde é mais fácil conseguir remédio tarja preta do que conseguir uma escuta gratuita e digna.
Onde quem sofre precisa mendigar cuidado.
E quem cuida, precisa lutar pra continuar.
Enquanto isso, o sofrimento cresce.
E o silêncio institucional também.
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